
O Boi Caprichoso publicou nota de repúdio nesta quarta-feira (2) contra a onda de ataques misóginos que tem como alvo seus itens femininos, um problema que vai desde declarações de torcedores, como o caso recente de um torcedor do Garantido que chamou as itens de “putinhas” e “vagabundas” em vídeo, até a atuação sistemática de blogs de Manaus especializados em assédio a mulheres do festival e na sociedade como um todo.
O episódio revela o ambiente hostil que artistas folclóricas enfrentam: apenas nos últimos três anos, as cunhãs-porangas Marciele Albuquerque (Caprichoso) e Isabelle Nogueira (Garantido) foram alvo de campanhas difamatórias que incluíram desde sexualização até fake news.
No comunicado, o bumbá azul e branco foi enfático: “É inadmissível que, em pleno século XXI, ainda tenhamos que lidar com manifestações machistas que tentam desmerecer a trajetória das mulheres, apenas por não se enquadrarem em padrões ultrapassados e opressores, impostos por quem nunca teve a responsabilidade de pisar na arena”. O texto destacou que os ataques partem justamente de quem “nunca teve a responsabilidade de pisar na arena”.
Infelizmente, o caso não é isolado. Mulheres que representam ambos os bois no Festival de Parintins – maior manifestação cultural da Amazônia – frequentemente enfrentam ataques digitais. Em Manaus, um blog já condenado por fake news e com histórico desses atos assediou artistas folclóricas, como ocorreu com Marciele Albuquerque (Caprichoso) e Isabelle Nogueira (Garantido).
Os casos emblemáticos
Em 2022, Marciele sofreu chantagem explícita: “Um blog de Manaus compartilhou uma foto minha e das meninas já levando para o lado sexual, expondo a gente da pior forma que alguém pode expor uma mulher”, relatou à revista Quem. A artista ainda enfrentou ameaças de vazamento de vídeo íntimo caso não abandonasse seu posto no bumbá.
Já Isabelle Nogueira, em 2025, foi vítima de fake news que relacionavam seu término com o ex-BBB Matteus Amaral a supostos interesses políticos. A cunhã-poranga precisou recorrer à Justiça para obter retratação, que veio sob a desculpa de “mal-entendido” pelo mesmo blog cuja proprietária, curiosamente, lidera movimento social em Manaus voltado às mulheres e ao “empoderamento feminino” – aparentemente seletivo.
A luta contra a impunidade
Apesar da Lei 14.812/2023 (validada pelo STF) contra violência digital, a reincidência desses casos expõe falhas na fiscalização de plataformas. Enquanto a legislação mostra-se insuficiente, artistas transformam o assédio em resistência: Marciele é ativista política, e Isabelle, chamada de “Cunhã do Brasil”, amplifica a voz das mulheres amazônidas em fóruns internacionais.
O episódio reacende o debate urgente sobre mecanismos eficazes de proteção às mulheres no ambiente folclórico e digital, espaços que deveriam celebrar a cultura, não reproduzir violências.
Os responsáveis pelas publicações, tanto os proprietários do blog quanto o próprio veículo, podem responder judicialmente por diversos crimes previstos no Código Penal Brasileiro, como calúnia (Art. 138), difamação (Art. 139), injúria (Art. 140), ameaça (Art. 147) e violência psicológica contra a mulher (Art. 147-B, incluído pela Lei nº 14.188/2021). Além disso, a ameaça ou divulgação de conteúdo íntimo sem consentimento é crime previsto no Art. 218-C do Código Penal, com pena de 1 a 5 anos de reclusão. No âmbito civil, os autores podem ser processados por danos morais e materiais, com base nos princípios constitucionais da dignidade da pessoa humana (Art. 1º, III da CF) e da inviolabilidade da honra e imagem (Art. 5º, X da CF). Caso o conteúdo não seja removido após notificação formal, a plataforma que hospeda o blog também pode ser responsabilizada civilmente conforme prevê o Art. 19 do Marco Civil da Internet (Lei nº 12.965/2014). Esses ataques, travestidos de opinião, configuram violações graves aos direitos das mulheres e ao ordenamento jurídico brasileiro.